Wednesday, October 10, 2007

Defeito de fabricação

Era Bruce. Ele entrou discretamente, ignorando as muitas perguntas de Moira. Tratou de calar-lhe a boca com uma das mãos tão logo a porta foi fechada.

- Fui parado pela polícia – ele disse; estava mais calmo do que se presumiria.

Moira aquietou-se imediatamente. Perplexa, ela afastou a mão de Bruce.

- Parado? – perguntou. – Como assim? Por quê?

- Não sei. Talvez eu pareça mesmo suspeito. Quando deixei o pub comecei a andar e a andar e a andar. Acabei parando em um parque onde eu costumava... quero dizer, foi inconsciente. É engraçado... – ele começou a rir, mas depois abaixou a cabeça, envergonhado. – Não sei o que houve. Quando me dei conta, uma sirene quase me ensurdeceu e dois homens desceram de um carro que eu nem a menos tinha percebido. Talvez estivessem me seguindo desde sempre.

- E então?

- E então quiseram meus documentos.

Moira mordeu o lábio inferior.

- Isso não é bom.

- Eu disse que estava sem ele. Os dois começaram a rir: “Mas será que alguém realmente anda sem documentos hoje em dia?” Idiotas.

- E então?

- Pegaram a minha carteira. Os MEUS documentos, não os do outro Bruce. Eu soube no mesmo instante que passaria longos anos na prisão.

- Como conseguiu escapar?

Bruce balançou a cabeça.

- Só estavam rindo de mim. E então viram os documentos e entenderam que havia alguma coisa errada. Balançaram a minha identidade na minha cara e perguntaram o que era aquilo. Pensei em pelotões de fuzilamento. Estava visualizando câmaras de tortura – e, por algum motivo, John Hurt.

- Bruce, como saiu de lá?

Bruce fez uma pausa. Sentia-se angustiado como uma criancinha que subitamente descobre que Papai Noel não existe.

- Moira... eu desapareci – confessou.

- Você o quê?

- Eu desapareci. Por um instante, um ínfimo instante. E então reapareci em um lugar completamente diferente.

Ele segurou Moira pelos ombros e com total delicadeza a empurrou até a cozinha. Reduziu o tom de voz a um murmúrio:

- Lembra-se do que Wilcox dizia sobre pequenos problemas que estava enfrentando com as viagens temporais? Sempre quando ele nos encontrava repentinamente? Lembra-se? Eu acho que foi a mesma coisa. Talvez seja um defeito da máquina.

Moira precisou de alguns instantes para pensar. Ela lançou um olhar vago para a pia - a torneira pingava.

- E então veio correndo para cá?

- Vim correndo para cá. Mas não importa. Moira, bem ou mal, eles estão com a minha carteira. Minha identidade pode não fazer muito sentido, mas eles têm meu nome. Eu... eu tenho uma esposa.

- Eu sei.

- Fica ainda pior. Já imaginou o que pode acontecer se isso for levado a... autoridades mais competentes?

- Como assim?

- O misterioso homem que desaparece? Uma carteira de identidade que não está de acordo com a documentação deste presente? E se Gabriel souber de mim? E se a história for parar em jornais?

Uma perspectiva tão absurda não havia ocorrido a Moira. Ela imaginou o que faria Gabriel tendo o conhecimento de outros como ele. Pessoas que poderiam prejudicar sua carreira promissora no ramo dos ditadores.

- Não vão publicar nada no jornal. Eles controlam toda a mídia. Não deixariam uma informação do tipo escapar tão levianamente.

- Eu preciso voltar para Londres. Jessica. Talvez a procurem.

- Mas e o seu pai?

Só naquele momento Bruce se atreveu a desviar os olhos de Moira. Pouco a pouco ele se deu conta de que estava na casa em que havia passado sua infância.

- Minha mãe está aqui?

- Não. A casa estava vazia. Não sabemos para onde ela pode ter ido.

- Vim correndo para cá por instinto. É realmente engraçado que...

Não completou a frase. Notou que alguém se aproximava – era Peter. Bruce o encarou por algum tempo, confuso, e depois se voltou para Moira:

- Todos vão precisar sair daqui.

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