Sunday, February 18, 2007

Oublier

Moira ainda tinha Wilcox preso em seus braços, mas ele não respondeu mais.

Não houve tempo de chorar - o som do trem-acelerador ensurdeceu os dois assistentes. Bruce só teve tempo de puxar Moira para um canto, escondendo-se atrás de uma pilastra. O corpo do professor permaneceu caído no meio da estação.

O trem parou e de dentro dele saiu um homem de cabelos escuros - Gabriel, o homem que alterara o tempo. Lentamente e sem olhar para o cadáver deitado na plataforma, ele saiu do esconderijo.

Foi o momento em que Moira, exausta como se tivesse ela própria viajado na máquina, caiu desmaiada nos ombros de Bruce.

***

- Moira? Moira, chérie.


Moira abriu os olhos devagar. Uma senhora de olhos castanhos, ar de matrona, lhe observava com preocupação.

Ela estava de volta ao apartamento de Liverpool Street. Aquelas eram suas coisas, seus móveis, seu pôster de Einstein na parede. Mas quem era aquela senhora que tinha os olhos de Edward Morris?


- Filha, você está bem? Seu colega disse que você desmaiou no trabalho!


Filha?

Moira observou de novo a mulher. Cabelo escuro, não mais até a cintura mas ainda liso, ofensivamente liso. Um sorriso de preocupação nos lábios finos - os lábios que ela, Moira, herdara.

Aquela era Stella. Stella Morris. Filha de Edward e Adelaide, mãe de Moira, a mãe que Moira perdera, teoricamente, aos três anos de idade.

No fundo da sala estava Bruce, conversando com um homem alto, grisalho, que o tempo tinha maltratado mas que ainda conservava o charme de um passado remoto. Era Arthur Harris.


- Eu já estou melhor - Moira mentiu descaradamente.

- Moira, o que aconteceu? - Arthur Harris perguntou.


Moira e Bruce se entreolharam em silêncio.

Alguma coisa aquele Gabriel tinha feito - e no meio das alterações do mundo, os pais de Moira tinham sobrevivido.

Wednesday, February 14, 2007

Em que Bruce percebe que talvez tivesse feito um bem deixando que Wilcox matasse a ex-mulher, de qualquer modo que ele quisesse, sonhasse ou...

Moira e Bruce arrastaram o professor para junto de uma das mesas, de modo a recostá-lo nela. Wilcox arfava, os olhos fechados, e não dizia nada. Seu braço ainda estava levemente erguido, apontando na direção do túnel, mas Bruce o obrigou a recolhê-lo.

- Temos que chamar uma ambulância – Bruce disse, e percebeu Wilcox arregalar os olhos. – Não! Não, não, não, não. Não podemos chamar a ambulância, eles farão perguntas, vão envolver a polícia... meu Deus, Wilcox, o que houve?

- Abigail – foi o que Wilcox conseguiu murmurar.

- Bruce, não podemos deixá-lo aqui – Moira segurou Wilcox pelos ombros, determinada a levantá-lo.

Wilcox protestou com um gemido de dor.

- Eu não posso sair daqui... vocês também não – Wilcox disse, entre chiados. – Ele vai voltar... vai... vai sair de lá.

- Quem vai sair, Wilcox?

- Gabriel! – o professor sacudiu o punho, furioso, e então parou para choramingar.

- Quem é Gabriel? – Moira perguntou; não obtendo resposta, voltou-se para Bruce, que finalmente começava a compreender o que acontecera. – Quem é Gabriel?

- É o marido da ex-esposa do Wilcox. Abigail. Aquela que...

Ouvindo o nome da mulher, Wilcox sofreu um ataque de fúria, unhando e se debatendo, mas foi imediatamente contido. Quando já havia esgotado todas as forças, disse:

- Vocês precisam ficar... porque... ele vai voltar.... e vocês precisam ficar e mudar o que ele fez. Ele vai voltar...

Wilcox desmaiou em seguida.

O tempo tudo destrói

Alguém descobrira a máquina. Mas quem?

Nem Moira nem Bruce conseguiriam atinar que um membro do Parlamento britânico tinha interesse em alterar o passado. E que ele conhecia Wilcox bem melhor que seus assistentes... Gabriel tinha acesso ao passado do professor, o passado que Wilcox odiava se lembrar que existia: Abigail.

E era em Abigail que Wilcox pensava quando seus assistentes chegaram à estação fantasma de West Rotherhithe. E em como por causa dela - indiretamente - a máquina, o plano de toda sua existência, tinha sido destruída, talvez para sempre.

A máquina e também sua vida, que lhe escapava entre os dedos com grande velocidade. Mas os golpes na cabeça e nos ombros lhe doíam bem menos do que ver Gabriel partindo no trem-acelerador, pronto para transformar o mundo inteiro à sua vontade.

Tudo o que ele, Wilcox, mais temia no mundo!

Antes de perder a consciência, pôde ouvir passos apressados na plataforma. Moira e Bruce tinham lhe encontrado. Tentou erguer a mão, fazer algum gesto, mas o corpo não obedeceu. Só teve tempo de voltar a cabeça na direção do túnel, como que esperando a volta do trem.

Tuesday, February 13, 2007

A caminho

Sob o efeito terapêutico da direção, Bruce tentava pensar em uma explicação positiva. Talvez ninguém houvesse roubado, afinal, os equipamentos. Talvez o próprio Wilcox houvesse descontado neles a frustração sentida ao deparar-se com os resultados quase catastróficos de seu projeto, como uma crise tardia de consciência. Talvez ele e Moira jamais precisassem voltar a pensar em viagens temporais, ao menos não aquelas que envolvessem o professor.

- Quem roubaria? – Bruce disse, de repente. – Quero dizer, quem saberia? Quem sequer acreditaria? Não é como dizer “Bem, fiquei sabendo que há uma enorme quantidade de jóias naquela casa, a senhora as deixa guardadas sob a cama”. Quero dizer: “Bem, ouvi dizer que aquele cara construiu uma máquina do tempo, ele a deixa guardada em uma estação de metrô desativada”. Que homens seriam o bastante...

- Está sugerindo que a máquina foi roubada por batedores de carteira? Porque eu acho que o ladrão teria de ser um pouco mais ambicioso.

- Quem? Alguém da Universidade? Ninguém gosta do Wilcox. Ninguém gosta do Wilcox o bastante para sequer saber como ele ocupa seus dias, e ninguém gosta o bastante de Wilcox para acreditar que ele construiu uma... mesmo que Wilcox espalhasse folhetos por aí.

- Bem, alguém sabe, isso é certo.

- E se foi o próprio Wilcox? O sangue... bem, ele pode muito bem ter se ferido.

- Então teríamos encontrado um cadáver, porque acho que Wilcox preferiria se matar antes de destruir os aparelhos. E há o cachorro.

- O que tem o cachorro?

- Wilcox não feriria o cachorro.

- Por que não? – perguntou Bruce, o tom de voz deixando óbvio que ele achava improvável alguém ser incapaz de querer machucar Fahrenheit.

O ferimento de Fahreinheit

Foi o primeiro sinal de que algo tinha acontecido - Fahrenheit estava no jardim da frente, com uma pata ferida. A porta da frente estava arrombada, aberta. Moira e Bruce tinham voltado para o Hampton e tinham sido brindados com aquela cena estranha.


- Essa não.


Bruce correu para dentro da casa, enquanto Moira ficou com Fahrenheit. Um berro serviu como alerta - tinham vasculhado a casa inteira, havia manchas de sangue em todos os papéis da antiga escrivaninha de Moira. Um computador tinha sido quebrado a golpes de algum objeto pesado. Mapas que Bruce demorara meses para fazer estavam em pedaços no chão.

Moira olhou em volta e sentiu os joelhos dobrarem de medo. Bruce tinha se esquecido de como se respirava.



- Eu vou chamar a polícia!

- Espera.


Bruce apontou o lugar onde o GPS deveria estar - e não estava.

Os dois correram para o jardim ao mesmo tempo para o jardim. A porta do galpão estava aberta, escancarada. O carro que levava os viajantes do Hampton até a estação de metrô fantasma não estava na boca do túnel, como de costume. Uma última mancha de sangue marcava a parede, como o sinal dos hebreus contra as pragas de Moisés aos egípcios.

Era preciso fazer alguma coisa. E Moira, respirando fundo, tomou as rédeas da situação.



- O outro carro dele está aí? - Moira chacoalhou o amigo pelos ombros.

- Está.

- Você sabe dirigir?

- Moira, para onde é que nós vamos? - Bruce não conseguia raciocinar.

- West Rotherhithe - e, respirando fundo - Alguém descobriu sobre a máquina!

Friday, February 02, 2007

Confidentes

Os hobbies prediletos de Abigail, que há muito deixara de ser bailarina, eram: a) cuidar do belo jardim que rodeava a residência dos Stuart; e b) manter contanto quase secreto com a antiga vizinha, Isabella, de quem conseguia as últimas informações a respeito do primeiro marido.


- E o que a garota fez? – Abigail perguntou, uma mão segurando o telefone branco e a outra mexendo uma colherinha dentro da xícara de chá.


- Se demitiu. Ou foi o que Michael me contou – Isabella respondeu. Estava na cozinha. No jardim, Michael, seu filho mais novo, tentava escalar um muro. Isabella começou a gritar.

Abigail ignorou o incidente. Deu uma risada.


- Eu sabia que ela não se agüentaria por muito tempo. Uma mulher precisa ser louca para conviver com o Alphonsine.


- Desculpe. Michael estava me tirando do sério.


- Aquele capacho do Bruce continua lá?


- É a única pessoa que tenho visto, nos últimos dias.


Abigail eriçou as sobrancelhas.


- É mesmo? Onde está Alphonsine?


- Não sei. O carro continua lá, não, Michael? Sim, o carro continua lá.


Abigail suspirou de modo impaciente. Não gostava de perder Wilcox de vista.


- Talvez ele tenha finalmente conseguido aquela máquina do tempo, e viajado para bem longe de nós – disse, como a fazer troça. – Engraçado como Gabriel parece depositar certa confiança nas minhas previsões.


Isabella riu. Passara anos de sua vida ouvindo as piadinhas de Abigail em relação às ambições excêntricas de Wilcox, mas nem por um segundo havia considerado que era aquilo, de fato, que o professor vinha fazendo dentro de seu laboratório.