Monday, December 18, 2006

Aqui e Lá

- Denunciá-lo a quem? Considerando o ramo de atividade daquele maluco?

- Que vai ficar ainda mais louco se não tiver alguém por lá para dar um jeito nele.

- E eu tenho que fazer isso?

- Bom, só você consegue convencê-lo. Sem precisar ameaçá-lo com uma cadeira, como acontece comigo. Moira, pelo amor de Deus. Antes que eu enforque o cachorro e ponha fogo na casa.


Moira fez que não com a cabeça.


- Não pretendo voltar para o Hampton, obrigada. Mas posso te fazer companhia de vez em quando, longe do professor. Pelo menos para salvar a vida do coitado do Fahreinheit!

- Aquele cachorro é um monstro.

- Você só precisa lidar com ele.

- É uma coisa que você sabe fazer bem. Seu avô melhorou?

- Um pouco. Está reclamando que não pode comer feijão em lata... É um vício, sabe?


Bruce sorriu, um pouco tímido, desviando o olhar quando Moira lhe encarou. Não era o que ele queria, mas era bem próximo. Podia ser um bom recomeço.


***

Longe do restaurante, em um gabinete no Parlamento, Gabriel Stuart MP planejava em silêncio seu grande golpe - que começaria com o seqüestro do professor Alphonsine Wilcox, residente do bairro de Hampton Court.

Um pedido

Bruce puxou um banquinho e sentou. Esfregou as mãos nos bolsos, desconfortável.

- Ficar sozinho, naquela casa, está me deixando louco – disse. – Eu poderia ficar pela faculdade, sim, mas então eu viraria o novo melhor amigo de Elizabeth, e de outros professores, e das secretárias, e de alunos que não acompanham as aulas, que ficam fazendo turismo pelos prédios, e minha sanidade estaria mais ameaçada ainda, e eu gosto da sua companhia, Moira. Pelo menos... eu gosto. De verdade. É um alívio não ter Wilcox por perto, mas eu gostaria que você estivesse lá. E... aquele... cachorro está me enfurecendo.

Parou de falar repentinamente, como se alguém houvesse cortado seu fôlego. Giacomo e o outro cozinheiro haviam parado o que estavam fazendo para ouvi-lo, e Bruce olhou para os dois, sentindo-se no meio de um talk-show.

- Por favor, continue – Giacomo pediu.

- Um pouco de privacidade, Top Chef. Se importa?

Giacomo deu de ombros e foi colocar o frango no forno. Bruce voltou-se para Moira – e, por muito pouco, não tocou uma de suas mãos.

- Você me faria um enorme favor. Não sei se posso lidar com o Wilcox sozinho. Ao menos ele a escuta. Coisa que, em cinco anos, nunca fez a meu respeito.

- Bem, você há de concordar que ele passou dos limites.

- Ele é o Wilcox. Ele não tem uma noção clara do que são limites. Ele pensa que Led Zeppelin é o nome de um apresentador de programas infantis.

- Bruce, eu sinto muito. Wilcox poderia ter estragado as nossas vidas, se ainda não se deu conta.

Bruce arregalou os olhos.

- Está pensando em denunciá-lo a alguém?

Quando Bruce e Moira proclamam uma trégua

- Giacomo, ele é só meu amigo! - Moira finalmente encontrou algo para dizer - Ex-colega de escritório.


E, para Bruce, entre dentes:


- Você tem sorte do Giacomo ser surdo como uma porta. Vai de lasanha?

- Por favor. Moira, você tem que voltar pro escritório.

- O que foi que o Wilcox explodiu desta vez?

- Nada. Ele nem me vê. Aliás, não fossem os bilhetinhos abusados na tela do meu computador, eu teria achado que ele sumiu em algum buraco do tempo.

- Bruce, eu não quero ser grosseira, mas e eu com isso?

- Eu preciso que você volte. Não por causa do Wilcox. Nem por causa da máquina.

- Então por que?

- Por minha causa. Pode ser?



O queixo de Moira caiu alguns centímetros.


- Nicola! Mais vinho! - ela pediu, rosto pegando fogo - Eu acho que vou precisar.

Friday, December 15, 2006

Em que Bruce volta para a cozinha

Bruce abriu a porta e foi envolvido por cheiro de molho de tomate. Nicola não pareceu surpreso ao vê-lo:

- Hoje não está vestido como um professor – comentou.

Bruce deu de ombros.

- Hoje não estou trabalhando. Folga.

- Sei, sei. Mesa para dois?

- Estou sozinho. Será que eu posso...

- Pode, pode, tudo o que quiser – Nicola interrompeu.

Agarrou o braço de Bruce e o levou até a cozinha. Dois cozinheiros discutiam por causa de um pedaço de queijo que poderia ou não ter sido usado na massa certa, e uma terceira voz, feminina, palpitava a respeito. Nicola gritou em italiano e a briga se encerrou – os cozinheiros piscaram, confusos, voltando-se para ele e Bruce.

- Aqui, parem de discutir. Há mais um infeliz para ser alimentado – Nicola puxou uma cadeira para Bruce. – Volto num instante.

Só então Bruce percebeu que Moira também estava lá; e ela pareceu notá-lo com a mesma surpresa. Os dois apenas se encaram, sem nada dizer.

Havia dois frangos crus em cima do balcão, já recheados, e diversas tigelinhas e tupperwares de legumes, queijo ralado e temperos. O molho de tomate fervia em uma panela.

- O que está fazendo aqui? – Bruce perguntou, por fim.

- Acho que estou almoçando. O que você faz aqui?

- Bem... o mesmo. É óbvio.

- Conheço você? – um dos cozinheiros perguntou, retirando uma assadeira do forno, espiando Bruce como se este lhe fosse familiar.

Bruce teve dificuldades de transferir sua atenção.

- É possível. Já estive aqui antes. No restaurante. Nesta cozinha. Parece ser um hábito. Eu e...

- Moira! – o cozinheiro exclamou, de repente. Pegou um dos frangos e o colocou dentro da assadeira. – É claro, como pude esquecer? É o namorado dela. – e teve medo de haver cometido uma gafe; exibiu um sorriso amarelo. – Ele é, não é, Moira?

Moira deu a impressão de ter engasgado com a própria saliva. Bruce sorriu.

- Bem, eu não sei. Quase fomos irmãos, uma vez. Acho que seria condenável, em inúmeras sociedades – disse.

Thursday, December 14, 2006

Le Complainte

- Alguma coisa por aí?


Moira fez um gesto negativo com a cabeça, jogando os classificados longe.

Estava há uma semana plantada no apartamento de sua amiga Layla, retornando para Liverpool Street somente para dormir. Procurava um novo emprego enquanto via a amiga cuidando de seus clientes em seu escandaloso salão de cabelereiro, no coração de Camden Town.

Jim, namorado de Layla e tatuador de nove entre dez encrenqueiros da escória londrina, já estava ficando preocupado. Moira não era o tipo que ficava sem fazer nada - e sem ter um emprego e sem querer retornar ao conserto de computadores, a amiga de Layla estava murchando.


- E o magrelão? Não pode te indicar para ninguém?
- Que magrelão? - Moira perguntou - O Bruce?
- Uai, é o nome dele, eu acho.
- Ah, ele. Não, ele não me indicaria. E eu não iria gostar, eu acho.


Layla cruzou os braços, curiosa.


- Você não me contou porque deu no pé. Não te pagavam bem?
- Não queria falar disso.
- O velho te passou uma cantada, foi isso?


Moyra riu. Seria bem engraçado, o velho Wilcox tentando lhe galantear. Decidiu não responder e voltar para casa, quem sabe comprar um outro jornal no caminho. Devia existir algum emprego naquela cidade, afinal de contas!