Wednesday, September 26, 2007

Do velho Nicholas

Tão logo reconheceu Nicholas, Bruce deu as costas ao grupo, nervoso demais. Considerou sair correndo do pub – só por alguns segundos – mas teria sido, ele logo pensou, uma imensa covardia abandonar Moira e a mãe à mercê de um bêbado e de um rapaz que pouco lhe inspirava confiança.

- Bruce? – a voz de Stella prenunciava o que ele não desejava ver.

Bruce se virou devagar. Lá estava seu pai, muito mais velho e deteriorado do que se lembrava. Quando era mais jovem, na época de sua morte, Nicholas já parecia velho em muitos aspectos – a bebida corroera quase toda a jovialidade que possuía. Mas nada preparara Bruce para o homem que de fato seu pai teria se tornado, o profundo olhar de desesperança, as marcas e cicatrizes de incontáveis brigas de bar. Nicholas, um homem que sempre fora alto, agora parecia frágil, curvado e letárgico, um ratinho no meio de homens.

- Pai – Bruce murmurou, sentindo os olhos queimarem.

Nicholas piscou algumas vezes, até reconhecê-lo.

- Ah, aí está você – ele disse, não com satisfação. Virou-se para Peter. – Você é o moleque chato. Amigo seu, Bruce?

Mas Bruce não conseguiria responder. Peter tomou a liberdade:

- Pode-se dizer que sim.

- É melhor voltarmos para casa, pai – agora Bruce parecia distante, mecânico como um robô.

- Voltar? Mas acabei de chegar.

- Não deveria estar aqui.

- Mas essa é muito boa. Venho aqui desde que me entendo por gente.

Ele colocou a mão no ombro de Moira, o bafo de álcool escapando através dos dentes amarelados.

- Venho aqui desde que conheço a Stella. Não é, Stella – sacudiu levemente Moira. – Você ainda é uma moça bonita.

Bruce somente balançou a cabeça.

- OK. Como quiser – e deixou o grupo sozinho, ganhando as ruas.

Tempo Futuro

- Onde, Peter? Temos que tirar o Nicholas daqui. À força, se necessário - Moira disse, encarando o rapaz com doçura.

- Nos fundos. Não é difícil. Ele soa como o filho dele.



Bruce fez uma careta de desgosto, enquanto Moira bateu no braço da mãe.



- Revéille-toi, madame Stella... Não estamos aqui para visita sociais.

- Oh, está bem. Quem é o garoto?

- Um amigo que veio de longe - Moira desconversou - O Nicholas?


Ele estava no fundo do bar, observando um copo vazio como se dali fosse sair a nova Teoria da Relatividade. Mal percebeu quando Stella, Moira e Peter se sentaram ao lado dele. Bruce ficou de pé, longe o suficiente para não ser notado.

Preferia ter morrido no caminho a encarar aquela cena.


- Nicholas, vamos para casa - Stella disse, com voz neutra.


Nicholas ergueu o rosto e um raio de luz iluminou seus olhos.


- Rebecca! Você veio me resgatar!

- Vamos embora, sim? Está ficando tarde.

- Mas eu mal cheguei. Deixe-me ficar mais um pouco - e, com um suspiro, ele observou Moira e Peter - Vocês podiam convencê-la. Você podia, Bruce.


Peter sorriu, abaixando a cabeça.


- Eu não me chamo Bruce. Vem, antes que nos expulsem. O tempo é curto.

- O tempo destrói tudo - Nicholas disse, mais para si mesmo do que para seus interlocutores.

- Eu já ouvi essa frase antes - Moira respondeu, levantando o pai de Bruce pelos ombros.

Em família

Bruce não compreendeu durante algum tempo, e estava a meio de caminho de perguntar outra coisa, em tom irritado, quando parou bruscamente, olhando para Peter como se visse um fantasma.

- O que ele disse? – perguntou.

- O quê? – Peter olhou para ele, divertido.

- Você a chamou de...

Ele não prosseguiu. Deu um passo para trás e balançou a cabeça.

- Esqueça. Não sei se quero saber.

Bruce segurou Moira pelo pulso e os dois entraram no pub. Peter os seguiu em silêncio, quase tão alto quanto Bruce e duas vezes mais estranho.

Stella, parada ao balcão, conversava animadamente com alguns homens, nenhum deles Nicholas. Bruce deu um suspiro.

- Bem, talvez ele não esteja aqui. Talvez tenha desmaiado no meio do caminho, ou em algum beco.

- Ele está aqui – Peter informou.

Bruce se virou para ele:

- Você e eu realmente precisamos ter uma conversa.

- Vamos, deixe-o em paz – Moira o interrompeu. – Só está querendo ajudar.

Ela e Peter se entreolharam e sorriram, como portadores de um segredo bastante engraçado. Bruce não notou, ou teria ficado com uma disposição ainda mais azeda.

Duophenia


Why was I born today?
Life is useless like Ecclesiastes say
I never had a chance
But opportunity's now in my hands (...)
My life's a mess
I wait for you to pass
I stand here at the bar, I hold an empty glass

(Pete Townshend, "Empty Glass")



- Falta muito para chegar? - Moira perguntou, embrulhada no casaco.

- Mais um pouco - Bruce respondeu em voz alta e depois abaixou-se um pouco, para falar ao pé do ouvido de Moira - Lembre-se que eu estou navegando por instrumentos aqui. Você cresceu aqui, você me diz onde está esse bar.

- As ruas mudaram um pouquinho! Ah, vire ali. Red Lion Street.

A fachada e a barulheira do The Trooper surgiram como a luz de uma lareira, atraindo a atenção de Stella, que suspirou como se a visão lhe fosse tristemente comum. Moira olhou o prédio de alto a baixo - como o pub tinha decaído naquela vida paralela! Parecia mais uma fábrica abandonada, um prédio sobrevivente de uma blitz do que um bar e restaurante funcional.

- E pronto. Vejamos se o Nicholas está aí dentro - Stella disse, mais para si mesma do que para seus acompanhantes.

Antes que Bruce pudesse dizer algo, Stella marchara para dentro do pub, uma Rebecca sem medo dos monstros na caverna. Moira tentou impedi-la, mas a mãe simplesmente desapareceu como que tragada por um buraco.

- Sua mãe é teimosa, hein? - Bruce comentou com Moira.

- É mal de família - um rapaz na frente do pub comentou por alto.

Moira voltou-se para o garoto, que lhe cumprimentou com um gesto de cabeça.

- Peter - Moira sorriu.

- Você disse para eu vir te buscar, mãe.