Wednesday, May 23, 2007

A Cidade dos Amaldiçoados

Bruce espiou a sala de aula. Os alunos estavam sentados, imaculados feito anjinhos. Todas as crianças da cidade vestiam o mesmo uniforme azul.

Tomando coragem, Bruce girou a maçaneta e entrou. Foi acompanhado por olhares inquisidores. Abriu uma das apostilas.

- Vamos falar de...

Ocorreu-lhe que, para sua própria segurança, melhor seria manter-se afastado de assuntos atuais.

- Vamos falar de Guy Fawkes – Bruce disse, rezando para que Gabriel não tivesse ido tão longe.




- Foi horrível.

O intervalo durava trinta minutos. Bruce estava sentado num canto isolado da sala dos professores, parecendo, sob todos os aspectos, miserável. Moira se aproximara.

- Era como se eu estivesse naquele filme em que as criancinhas da cidade são aberrações, e onde Christopher Reeve se sacrifica em uma explosão para impedi-las de dominar o mundo. Sempre achei que fosse um filme obrigatório para todos os professores.

- Não quer comer alguma coisa? – Moira perguntou.

- Não trouxe nada. Eu nem ao menos tenho dinheiro. Tentei encontrar um cofre secreto em casa, ou notas enroladas dentro de um pé de meia, mas tive receio de que minha esposa se convencesse de que eu estou louco – ele fez uma pausa, dando-se conta de quão estranho era dizer “minha esposa”. – Eu percebi uma coisa.

- O quê?

- Nós matamos nossos sobressalentes.

Moira ergueu as sobrancelhas.

- O Bruce e a Moira que viviam aqui. O Bruce que era casado com a Jessica, a Moira que era a irmã mais velha do Roger. Eles não existem mais. Desapareceram. Nossa existência neste presente acabou por eliminar a deles.

Ele balançou a cabeça.

- Sempre que Jessica olha para a minha cara, sabendo que algo está diferente, não consigo deixar de pensar que, mesmo sem ter a intenção, matei o marido dela. O Bruce que ela amava se perdeu em algum, não sei, redemoinho do tempo, e logo ela descobrirá que sou apenas o impostor.

Moira pareceu perturbada. Era difícil admitir que a vida onde sua família era viva e feliz pertencia à outra mulher.

- Há mais uma coisa – Bruce começou a dizer, mas não prosseguiu. O sinal tocou.




A sala de aula estava vazia. Bruce pegou o apagador e começou a limpar a lousa. Ouviu a porta se abrir.

- Vamos passar para a página 120 – ele informou, sem a menor convicção.

- Parece bom para mim – alguém respondeu, e a voz não pertencia a uma criança.

Bruce se virou. Um rapaz de cabelos castanhos estava ocupando uma das carteiras, pernas longas sobrando para os lados. A julgar pelo estado de sus roupas, parecia ter passado por maus bocados.

Bruce achou que o conhecia de algum lugar.

- Desculpe – disse. – Quem é você?

O estranho estalou o pescoço.

- Peter – ele respondeu. - Não entre em pânico.

- Peter – Bruce repetiu, desconsiderando o significado da recomendação.

Os alunos começaram a entrar. Encontrando o estranho, no entanto, estacaram.

- Você está sentado no meu lugar – um garotinho o acusou, após alguns segundos de silêncio.

Peter olhou para o garoto como se visse, ali, a mais inconveniente das criaturas.

- É mesmo? O que vai fazer? Me bater?

Antes que ouvisse mais protestos, Peter se levantou. Bruce notou que ele mancava um pouco.

- Vejo-o depois da aula, professor – Peter disse, retirando-se.

O medo de que estivesse sendo seguido por um agente do governo tomou conta de Bruce. O apagador tremia em sua mão direita.

- Vocês o conhecem? – Bruce perguntou.

Os alunos balançaram negativamente a cabeça.

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