Wednesday, November 29, 2006

Um Ivanhoé

Enquanto isso, no passado, Nicholas Glendoning virava mais um copo de whisky, os cotovelos apoiados no balcão de madeira escura do The Trooper. Era sexta-feira, começo da noite. O pub estava começando a encher e os sons e cheiros se tornavam mais familiares: a música saindo da jukebox, os gritos dos jogadores de dardos, a fumaça dos cigarros e o cheiro de comida. O calendário berrava a data: setembro, 1974.

Como foi que ele se enfiara naquela situação ridícula?

Repassava mentalmente a cena. Podia se lembrar bem da primeira vez em que ele a vira. Noite de São Valentim, 1972. Estava bêbado, para variar, e Edward o levou para casa com a dificuldade costumeira. Stella estava no banco do carona, observando-o como se ele fosse um marciano recém-aterrisado em Norwich.

A única lembrança que tinha daquela noita em especial foi a de ter se erguido, com dificuldade, nos braços de Edward, e declamado alguma bobagem do Ivanhoé - provavelmente alguma coisa sobre a beleza de Rebecca, que tinha cabelo escuro como a filha de seu anjo protetor.

Porque só aquele título explicava a função de Edward Morris em sua vida. Desde a primeira vez que se encontraram, nos balcões do The Trooper, o velho jardineiro tomava conta dele como se fosse um filho dileto. E Nicholas aceitava o tratamento sem protestar. Era bom ter alguém por perto.

Os anos se passaram e Nicholas conhecera Honoria. De certo modo eles eram água e óleo, mas ela era louca por ele. Edward dava conselhos, ajudava no que era possível. Honoria passou a adorar Edward, como se ele fosse da família.

E estupidamente Nicholas passou a adorar Stella. Veladamente, cortês como um dos cavaleiros de Sir Walter Scott. Sentia-se o próprio Ivanhoé, tendo Honoria como Rowena e Stella como Rebecca. Ele admitia que era ridículo. Mas, ridículo ou não, era a situação na qual ele estava envolvido.

E naquela noite, Stella viera lhe contar sobre um rapaz que ela conhecera. Um estudante na universidade, um sujeito cabeludo chamado Arthur.

Ela estava apaixonada. Stella Smith-Morris, que nenhum homem parecia ser capaz de notar, vendo o mundo em technicolor por causa de um magrelo de Cambridge. E sendo amada em retorno.

Nicholas olhou para o fundo do copo.

Talvez fosse melhor resolver a situação. Afinal, no final, Ivanhoé casou-se com Rowena, não com Rebecca. E Honoria não esperaria para sempre...

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