Friday, November 24, 2006

Entreato

Moira soltou um suspiro que escondia uma risada.


- Espera só o Wilcox descobrir isso.

- É melhor que ele não descubra. Você sabe, vai dar problema.

- Ele está entretido demais com o brinquedinho dele para notar que a gente existe, não se preocupe - e, recolocando a foto no envelope amarelado - Por falar nisso, você avisou que eu não vinha trabalhar?

- Não. Tampouco avisei que eu não viria. Como você disse, ele está muito ocupado.


Honoria e Rob voltaram para a sala de espera, porque os médicos não permitiram a entrada dos visitantes. Um dos enfermeiros - um garoto de olhos azuis, recém-formado - disse que Moira poderia voltar para casa, já que não podia dormir na UTI como acompanhante.


- Meu bem, você quer carona para casa? - Honoria perguntou, com ar genuinamente preocupado.

- Até aceitaria, mas eu tenho que passar no supermercado antes. Eu não tenho o que comer em casa.

- Então aceite nosso convite para jantar.



Moira olhou para Bruce com o canto dos olhos. Ele deu de ombros, acostumado que era aos trejeitos da mãe.


***

Enquanto isso, Wilcox observava os dois homens conversando próximos ao balcão do pub. Tudo parecia tão triste ali, tão desesperançado. Era o ano do "inverno do descontentamento", o último antes da Era Thatcher, com greves se empilhando, outra crise do petróleo batendo às portas e o desemprego correndo solto. Não havia motivos para risadas naquela cidade.

Mas os dois homens pareciam felizes. Um era alto e moreno, cabeludo, com ar de sono, mãos apoiadas no balcão. Seu interlocutor era ruivo, cabelo escovinha, ar de pouquíssimos amigos.


- E como vão chamar a criança? - o ruivo perguntou, abrindo um sorriso tímido.

- Se for menino, vai ser John. Ou Peter, como quer a Stella.

- São boas opções. Se for menina? Adelaide, como a avó?

- Não! Vai ser Moira.

- Moira? Bah, celta demais! Preferia Adelaide.

- Quando você tiver filhos, Saville, você pode batizar como você bem entender.

- Quando deixarem que bichas como eu adotem crianças, pode apostar que eu vou exercer tal direito.


Saville, o ruivo, ergueu o copo vazio num brinde.


- À Moira Harris, ainda não nascida. Porque eu aposto que vai ser uma menina.

- Você pode ver o futuro, Saville? - Arthur Harris, o pai de Moira, riu alegremente.



Wilcox desapareceu num buraco no tempo antes de intervir como gostaria.

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