Friday, November 10, 2006

Duas Cartas

"(...) É bem verdade que eu não posso contra a cabeça-dura do velho Harris. Já foi uma decepção tremenda para ele o fato do único filho decidir se tornar um mísero professor do que seguir carreira militar (e você vai me dizer com aquele arzinho engraçado, "chacun a son goût!", mas você diz isso porque não tem o Sargento Harris como pai). Agora, ainda por cima, eu decidi me casar com uma garota - na opinião dele - sem dinheiro, sem sobrenome e sem modos.
Sinceramente, primo? O velho pode ir para o quinto dos infernos. Entre ele e a Stella, eu vou ficar com a Stella. E Deus que me ajude com o resto!"

(trecho de carta de Arthur Harris a seu primo, John Saville Harris, fevereiro de 1977)

"(...) Não há nada que eu possa dizer. Desejo sinceramente que o senhor suma de nossas vidas. Uma vez que o senhor deserdou juridicamente Arthur, não creio que tenhamos nada mais a ver com sua casa ou sua família. Por favor, pare de nos procurar ou eu vou chamar a polícia."

(trecho de carta de Stella Smith-Morris para o Sargento Anthony Harris, maio de 1980)

***

Moira observou os pacotes de cartas, amareladas e desbotadas, amarradas em grupos com fitas de cetim. Os tesouros de Edward Morris: as cartas trocadas por Arthur e Stella, além das cópias e rascunhos das correspondências que eles trocaram com outras pessoas.

Era a primeira vez que ela lia aquelas cartas. Até aquele momento, não sabia que seu outro avô era um sargento do Exército, ou mesmo que seu pai tinha sido realmente deserdado por ter se casado com uma mulher "sem dinheiro, sem sobrenome e sem educação".

Estava sozinha na sala, tudo escuro do lado de fora. Não podia passar a noite no hospital - os médicos não permitiam. O jeito foi seguir sozinha para a casa do avô, a casa onde ela fora criada. Sentia-se como se um sapo tivesse se alojado dentro de sua garganta.

Quando Edward partisse, ela estaria sozinha de vez. E aquilo a aterrorizava.

As cartas estavam em cima da mesa quando ela chegara. Parece que Edward estava lendo-as quando teve o ataque. Sabe-se deus o que aquelas cartas traziam para ele. Para ela, era só uma grande confusão. Tentar fazer um retrato mental de seus pais por meio dos textos era difícil, mas era o único esporte que lhe ocorria.

O telefone celular tocou. Moira olhou para o aparelho sem saber se atenderia. Por fim, aceitou a ligação.

- Alô?... Ah, olá, Bruce. Tudo bem por aí?... Como assim? Você está aonde?!

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