Wednesday, August 16, 2006

Saltos

Moira olhou para Bruce. Ele tampouco havia notado que tivera uma das mãos confiscadas; seu rosto ficava cada vez mais verde, e ostentava a expressão de quem poderia colocar o próprio estômago para fora.

- É um trem – Bruce disse, abobalhado, depois de algum tempo.

- Que bom que você notou.

Wilcox vestiu um par de luvas de látex e, com muita gentileza, ligou as máquinas. Houve um estampido breve, regurgitado de algum dos computadores, e então toda a estrutura de trilhos rangeu horrivelmente. O professor parecia satisfeito como nunca. Sorrindo, ele apontava dos computadores para o trem, na esperança de que os assistentes compreendessem um trocadilho ou uma piada.

- É um trem que viaja no tempo – Bruce murmurou.

- Certamente é, certamente é.

Bruce deu um passo para trás, zonzo.

- Você está bem? – Moira perguntou, sem conseguir desviar por completo os olhos dos computadores. Ela não estava verde, mas pálida de surpresa.

- Estou. Não. Não, na verdade. Me sinto estranho. Acho que vou vomitar. Será que eu poderia?...

Wilcox arregalou os olhos, horror dos horrores. Pegou uma sacolinha de papel e estendeu-a de imediato a Bruce.

- Aqui, tome. Nada de sujeira perto das máquinas.

Bruce se retirou para trás de uma pilastra. Sentou-se no chão, possibilidade que, em tempos normais, teria encarado com um olhar de desprezo, situação tão anti-higiênica que era. Temeu olhar para Moira e avistar o trem. Temeu imaginar Wilcox varando véus do tempo dentro do mesmo trem, acenando de uma das janelinhas e pronto para iniciar a Terceira Guerra Mundial ou impedir a evolução das espécies, dependendo de onde acabasse parando.

- Vide, Moira, eu tenho aqui um pequeno problema – a voz do professor ecoava pela estação. – São as falhas temporais.

- Pequenas... falhas? Quer dizer como...

- Sim, exato. Suponhamos que eu estivesse na década de cinqüenta, fazendo – bem, não que seja da sua conta – o que quer que eu estivesse fazendo na década de cinqüenta, hipoteticamente, e então atravessasse um riacho e – puft! – desaparecesse. Um momento inteiro de não-existência. E então apareço de novo e lá estou eu, no meio do riacho, e não sei quanto tempo se passou ou deixou de passar porque, na verdade, eu não estava lá. Eu estava, simplesmente, não existindo.

- Você desaparece?

- Sim. Foi por causa disso que aterrissei na cabeça daquele pobre senhor. Eu vivo dando saltos por aí. Entendeu a piada, agora?

- Não é bem o momento para isso, professor.

- Perdão, Moira, perdão. Ah, Bruce, bom vê-lo de volta!

Bruce havia levado algum tempo para reunir forças. Estava mais fantasmagórico do que nunca, e alguma coisa, talvez o fato de ter vomitado o almoço, dava-lhe uma aparência hostil.

- Certo – anunciou, bruscamente. Precisou de alguns segundos para recuperar o ar. – Certo. Vamos fingir que estamos em um ambiente normal. Um ambiente que não está cheio de pessoas de quarenta anos que vivem no quarto extra da casa dos pais e que praticam atos inomináveis com frutas porque não conseguem arranjar uma relação sadia com outro ser humano.

- Está insinuando alguma coisa, Bruce? – Wilcox pareceu ofendido.

- O quê? Não – Bruce o olhou, confuso; depois, horrorizado. – Meu Deus, não. Do que diabos estava falando?

- Nada, absolutamente. Prossiga.

Bruce assentiu e se aproximou do trem. Hesitantemente.

- Essa... coisa... viaja no tempo?

- Viaja, é claro.

- Como? Está em uma galeria subterrânea que não existia há cem anos atrás. Como é possível viajar dentro dela?

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