Tuesday, July 18, 2006

Um Acidente (Tempo Presente, Tempo Pretérito)

Edward sempre lembrava da cena. Era dezembro, estava frio e as estradas estavam perigosas por causa da neve. Arthur estava no carro, buzinando insistentemente.


- Eu volto na quinta. Você tem certeza que consegue tomar conta da Moira direito, pai?


Stella e seu cabelo liso, seu suéter verde, seu eterno ar de preocupação. Stella que se chamava assim por causa de uma canção, Stella by Starlight. Era a canção favorita de Adelaide (se fosse um menino, Edward ia batizá-lo como George).

Stella batendo os pés no assoalho, irritada com a buzina do lado de fora, os lábios finos se contorcendo numa careta chateada.


- Arthur vai me enlouquecer, pai. Por que ele tem que ser tão apressado?


Stella saindo pela porta, jogando um beijo no ar frio, entrando no carro, partindo.

Moira, dormindo em um cesto, a imagem da paz e da calma. E dali a três horas o policial aparecera naquela mesma soleira, “o senhor é o pai de Stella Harris?”, Adelaide desmaiando, toda a tragédia esperada num acidente como aquele.

Edward passara três dias sem dormir. O que fazer com Moira? Os avós paternos tinham deserdado Arthur, a menina não tinha mais ninguém. Então ela ficara ali. Crescera ali. Parecia muito com Stella, mas tinha a mente – e os olhos – de Arthur Harris. Era esperta.

Sentado em seu sofá preferido, após a festa, Edward Morris pensava em Bruce e Moira e nas estranhas coincidências que entremeavam a vida deles. Moira não perguntava nunca sobre os pais. O “tempo pretérito”, como ela dizia, lhe dava medo. Nunca lera os diários da mãe, nunca se interessara pelos livros do pai. Como crescera num vácuo temporal, em que ‘pai’ e ‘mãe’ não eram representados por ninguém e 'passado' significava 'dor', ela se isolara no presente.

Por algum motivo que não sabia compreender, Edward sentia-se estranhamente incomodado pelo fato de Moira trabalhar com Bruce. Talvez por ter conhecido o pai de Bruce, uma alma inteligente presa num corpo que só funcionava com álcool – quantidades cada vez mais gritantes de álcool.

Temeu por um instante que o passado se repetisse como maldição, mas caíra no sono antes de desenvolver a tese por completo. Bruce parecia perfeitamente normal, para as condições onde vivia. Talvez não fosse o caso de esperar uma repetição de histórias.

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