Tuesday, July 18, 2006

No passado

O pequeno Alphonsine Wilcox tinha o queixo do pai e os cabelos da mãe. Gostava de mexer em criaturas gosmentas e de realizar experiências com sabão e vinagre.

- Hoje é a coroação da Princesa Elizabeth – informou o garoto, o peito inflado de orgulho. Era baixo para a idade.

O outro Wilcox sorriu. Aquele Wilcox já não tinha dentes bonitos e nem um fio de cabelo loiro no topo da cabeça. Tomou notas em um bloquinho de mão. Seu comportamento fascinava o mais novo.

- O senhor é meu tio ou alguma coisa? – o Wilcox do passado perguntou. – Mamãe sempre fala de um irmão que foi lutar na Guerra.

- Não, não. É diferente. Quero dizer, embora partilhemos a mesma carga genética – a exata carga genética, na verdade – e aqui esteja eu, aos sessenta e quatro anos, as coisas ficariam melhores se você me chamasse de vovô. Mas é só uma divagação.

- O quê, o quê?

- Ah! Eu me lembro dos seus sapatos. Sapatos bonitinhos, meus prediletos.

O pequeno Wilcox olhou para os próprios pés. Os sapatos escuros estavam sujos de terra, esmagando minhoquinhas e caramujos. Ele estava vestido com toda pompa necessária para um dia de coroação.

- Oh, mamãe vai ficar zangada.

O Wilcox adulto estremeceu.

- Mamãe. Vai, vai sim. Eu também me lembro.

Uma das empregadas da casa começou a chamar o nome de Alphonsine, que ecoou pelo campo. O garoto se assustou, agachou e recolheu suas ferramentas de trabalho.

- Preciso ir. É a Emma.

- Emma? Emma, cara de rato?

- É, ela tem mesmo. Vou ver o senhor de novo, vovô?

- Daqui a cinqüenta anos, mais ou menos.

- Quanto tempo!

- Você vai viver, meu pequerrucho, não se preocupe.

O pequeno Wilcox acenou enquanto corria para casa. Não tinha dotes atléticos, via-se de longe. O Prof. Wilcox não se lamentou. Sabia que aquela inaptidão quanto às atividades físicas o levaria, eventualmente, ao tapete da biblioteca do pai, onde enfim desenvolveria sua maior paixão. Marilyn Monroe.

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