Tuesday, July 18, 2006

House on Haunted Hill

- E Moira, sua única neta, trabalha para o Prof. Wilcox? – Bruce perguntou, embora tivesse certeza de qual seria a resposta.

Edward pareceu surpreso.

- Wilcox – murmurou. – Acho que é mesmo o nome dele. Como sabia?

Bruce sorriu. Aceitou o copo de conhaque que um garçom lhe ofereceu depois de insistência louvável. Quase sofreu uma parada cardíaca ao reparar que o garçom era Vincent Price.

- Acontece que - tentou voltar sua atenção a Edward – Acontece que, uma das infelicidades da vida, ele também é meu chefe. Mãe, aquele garçom não se parece com...

Honoria deu uma risada, cortando o pensamento do filho.

- Bruce, mas que coincidência! Quem diria, Edward, naquela imensidão que é Londres, sua neta e meu filho trabalhando juntos? E sem a menor idéia de que já se conhecem!

Bruce quase engasgou. Limpou o canto da boca com a ponta da manga.

- Desculpe. “Se conhecem”?

- É claro que você não lembra. Foi antes de Rob. Antes do seu pai... – Honoria fez uma pausa. Finalizou a frase com um gesto de mão e prosseguiu. – Bem, foi em uma festa. Como era o nome daquela senhora? Howard? Olívia Howard? Deus a abençoe, já morreu também.

- Seria mais um daqueles pedaços da minha vida que eu apaguei?

- Não seja tão duro consigo mesmo, você tinha sete anos. E Moira ainda era muito pequena, não saía do colo da mãe.

- Moira tinha dois anos – Edward acrescentou. – Eu me lembro da festa.

Bruce assentiu, vagamente perturbado.

- Isso é... com certeza...

- Uma enorme coincidência.

- E o tipo de informação que meu chefe jamais vai poder receber.

- Pelo menos você não vai ficar tão sozinho naquela cidade. Meu Deus, Edward!

Tanto Bruce quanto Edward se assustaram. Honoria não percebeu; a vida ganhara um novo sentido.

- Falando em Olívia Howard, tem uma pessoa que você precisa conhecer. Venha comigo, por favor – e voltou-se para o filho. – Bruce, você vai ficar por aí, não vai?

- Claro. Como uma rocha.

- Ótimo. E não se esqueça de procurar Rob.

Bruce não procurou Rob, ainda que quisesse. A presença fantasmagórica de Vincent Price ameaçando cruzar seu caminho, ele não pretendia ressuscitar outros traumas de infância.

Com a maioria dos convidados nos jardins, a casa estava quase vazia. Na sala, um grupinho de meninos havia descoberto os jogos de tabuleiro de Finnegan. O próprio Finnegan não estava entre eles. Bruce o encontrou no quarto, entretido com o vídeo-game.

- Ah, oi. Como é que está a festa? – Finnegan perguntou, os olhos grudados na tela.

Bruce sentou-se na cama, ouvindo-a ranger. Puxou a manga do paletó e consultou o relógio. Faltava pouco para a meia-noite.

- Vai bem. Como uma festa deve ser, acho. Quase meia-noite... Deus.

Finnegan soltou um muxoxo.

- Veio muita gente?

- Bastante.

- Excelente.

- Talvez não seja a melhor das notícias, mas vi, por acaso, algumas crianças acabando com os seus jogos de Dungeons & Dragons.

- Não tem problema. Só não quero que subam até aqui.

Bruce riu; tirou os sapatos e se deitou na cama. As revistinhas de Finnegan estavam largadas no chão. Ele recolheu (com cautela) aquela que quase o matara do coração durante a viagem de ônibus.

- Ei, você ainda trabalha para o esquisitão? – Finnegan perguntou de modo repentino.

Bruce baixou a revista. Finnegan e Wilcox haviam se encontrado uma única vez, ocasião em que o professor gargalhara por quinze minutos seguidos antes de admitir algum parentesco entre os dois. Tendo se convencido, prosseguiu com um comportamento ainda mais anormal: endereçou um questionário frívolo e gigantesco ao garoto. Finnegan, então com quinze anos, reportou-o quando voltou a ficar a sós com o irmão.

- Ele me perguntou se você prefere praia ou montanha. Molho inglês ou molho branco.

- Que diabos?

- Ele também quis saber se você come espaguete com a ajuda de uma faca ou de uma colher.

Embora Wilcox não tivesse voltado a vê-lo, sempre recordava Finnegan como um amigo querido. Chamava-o de proto-Bruce.

- Ainda trabalho, sim.

- O que você faz para ele?

- Mapas. E ele está trabalhando na teoria de viagem temporal.

Finnigan largou o console do vídeo-game. Pareceu interessado.

- Como é?

- Viagem temporal. Máquina do tempo.

- Sim, eu ouvi. Mas não de verdade, certo?

- Não de verdade?

- Não como uma máquina do tempo que... realmente, realmente volte no tempo, não? Mas como uma... teoria?

- É, como uma teoria. Livros e cálculos. E também há uma garota que conserta computadores.

A lembrança de Moira fez com que Bruce se esquecesse, por um momento, do professor. Colocou a revistinha aberta sobre o peito, desistindo de tentar levar adiante a leitura.

- Finn...

- O quê?

- Você conhece aquele amigo da mamãe? Edward Morris?

- Edward Morris?

Finnegan pressionava com tanta força os botões do controle que Bruce não deu uma expectativa de vida maior do que três meses para o aparelho inteiro.

- Tempo. Isso é Mario Kart?

Finnegan mordeu os lábios:

- É claro que é Mario Kart. Só falta um circuito.

- Eu tive um Mario Kart. Céus, que péssimo jogador eu era. Enfim, Edward Morris.

- É um senhor, não é? – Finnegan perguntou. – Um floricultor.

- Jardineiro.

- É, eu conheço.

- Já viu a neta dele por aqui?

- Não. Não sabia que ele tinha uma. Por quê?

- Por nada – Bruce suspirou e fechou os olhos.

Cochilou ao som de musiquinhas temáticas e dos gemidos raivosos de Finnegan. Sonhou com um homenzinho bigodudo e de macacão vermelho que lhe explicava a questão por trás das experiências de Wilcox.

- Como pode ver, Prof. Glendoning, uma vez que vocês encontraram a fenda, a partir de agora é alto-e-avante e alegria e alegria de tão simples.

- Pensei que fosse a parte complicada.

Bruce queria perguntar por que estava usando um chapéu com orelhas de burro, mas não pareceu apropriado interromper o homenzinho.

- É claro que não. Não para uma mente genial como a do seu chefe. O senhor vê, a carga exata de propulsão energética pode lançar o condutível – a máquina do tempo, neste caso o potinho de iogurte no qual todos vocês vão viajar – através de finas camadas temporais que separam os eventos da nossa época dos do Woodstock.

- Já ouvi isso antes. Por que você fala como o meu professor de Estudos Sociais?

- Não faço a menor idéia. Quer provar um pouco de torta?

- Então eu posso estar em Londres e de repente ser arremessado para Hong Kong?

O homenzinho franziu o cenho, decepcionado.

- A posição geográfica ainda é uma questão discutível.

- Então quer dizer que posso ser arremessado ao mar aberto?

- Sim, mas eu não aconselharia. Muitas criaturas moram por lá. E o Kraken, que terror seria.

- Bruce? – alguém o sacudiu por um ombro.

Bruce despertou, assustado, dando de cara com Rob. O quarto estava escuro, o homenzinho de macacão vermelho havia desaparecido. A televisão e o vídeo-game estavam desligados. Não havia sinal de Finnegan.

- Oi – Bruce se levantou, esfregando os olhos. Olhou em volta. – Oi, Rob. Feliz aniversário. Que horas são?

- Quase uma da manhã.

Bruce deu uma risada amargurada. Calçou os sapatos.

- Desculpe. Eu acho que desmaiei.

- Tudo bem. Alguns convidados já se retiraram, mas sobrou bastante gente.

- Vincent Price ainda está por aí?

- Vincent Price?

Rob O’Hara era um homem baixo (não de verdade; mas era a impressão que passava estando perto de Bruce), moreno e de traços irlandeses, tão obcecado pela época Georgiana que não poucas vezes Bruce ponderou se o padrasto, ao acaso, não havia nascido no século errado. Parecia-se muito com Finnegan, cuja única coisa herdada de Honoria eram suas mãos de pianista.

Os dois desceram até a sala, Bruce sonolento e tropeçando. Finnegan estava arrumando os jogos que haviam sido vandalizados pelas crianças. Não parecia no melhor dos humores.

- Bruce! – Honoria caminhou na direção do filho mais velho. Tinha aquela expressão da época em que o repreendia por comer de boca aberta ou por não cumprimentar as visitas. – O que houve com você?

- Por onde começar?

- Tantas pessoas querendo vê-lo! Edward Morris queria se despedir!

- As pessoas vão encontrar um modo de perdoar a minha ausência. E se a Moira que trabalha comigo é mesmo a Moira dele, vou acabar encontrando-o, por aí. Soluções simples para problemas catastróficos.

Honoria ergueu uma sobrancelha cheia de incredulidade.

- Se diz.

Afastou-se para cuidar dos convidados restantes. Vendo-se livre, Bruce acomodou-se em um dos sofás, assistindo o trabalho minucioso de Finnegan.

- Mais conhaque, senhor? – um braço lânguido e metido em uma manga negra esticou-se para exibir a bandeja.

Bruce arregalou os olhos.

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