- E Moira, sua única neta, trabalha para o Prof. Wilcox? – Bruce perguntou, embora tivesse certeza de qual seria a resposta.
Edward pareceu surpreso.
- Wilcox – murmurou. – Acho que é mesmo o nome dele. Como sabia?
Bruce sorriu. Aceitou o copo de conhaque que um garçom lhe ofereceu depois de insistência louvável. Quase sofreu uma parada cardíaca ao reparar que o garçom era Vincent Price.
- Acontece que - tentou voltar sua atenção a Edward – Acontece que, uma das infelicidades da vida, ele também é meu chefe. Mãe, aquele garçom não se parece com...
Honoria deu uma risada, cortando o pensamento do filho.
- Bruce, mas que coincidência! Quem diria, Edward, naquela imensidão que é Londres, sua neta e meu filho trabalhando juntos? E sem a menor idéia de que já se conhecem!
Bruce quase engasgou. Limpou o canto da boca com a ponta da manga.
- Desculpe. “Se conhecem”?
- É claro que você não lembra. Foi antes de Rob. Antes do seu pai... – Honoria fez uma pausa. Finalizou a frase com um gesto de mão e prosseguiu. – Bem, foi em uma festa. Como era o nome daquela senhora? Howard? Olívia Howard? Deus a abençoe, já morreu também.
- Seria mais um daqueles pedaços da minha vida que eu apaguei?
- Não seja tão duro consigo mesmo, você tinha sete anos. E Moira ainda era muito pequena, não saía do colo da mãe.
- Moira tinha dois anos – Edward acrescentou. – Eu me lembro da festa.
Bruce assentiu, vagamente perturbado.
- Isso é... com certeza...
- Uma enorme coincidência.
- E o tipo de informação que meu chefe jamais vai poder receber.
- Pelo menos você não vai ficar tão sozinho naquela cidade. Meu Deus, Edward!
Tanto Bruce quanto Edward se assustaram. Honoria não percebeu; a vida ganhara um novo sentido.
- Falando em Olívia Howard, tem uma pessoa que você precisa conhecer. Venha comigo, por favor – e voltou-se para o filho. – Bruce, você vai ficar por aí, não vai?
- Claro. Como uma rocha.
- Ótimo. E não se esqueça de procurar Rob.
Bruce não procurou Rob, ainda que quisesse. A presença fantasmagórica de Vincent Price ameaçando cruzar seu caminho, ele não pretendia ressuscitar outros traumas de infância.
Com a maioria dos convidados nos jardins, a casa estava quase vazia. Na sala, um grupinho de meninos havia descoberto os jogos de tabuleiro de Finnegan. O próprio Finnegan não estava entre eles. Bruce o encontrou no quarto, entretido com o vídeo-game.
- Ah, oi. Como é que está a festa? – Finnegan perguntou, os olhos grudados na tela.
Bruce sentou-se na cama, ouvindo-a ranger. Puxou a manga do paletó e consultou o relógio. Faltava pouco para a meia-noite.
- Vai bem. Como uma festa deve ser, acho. Quase meia-noite... Deus.
Finnegan soltou um muxoxo.
- Veio muita gente?
- Bastante.
- Excelente.
- Talvez não seja a melhor das notícias, mas vi, por acaso, algumas crianças acabando com os seus jogos de Dungeons & Dragons.
- Não tem problema. Só não quero que subam até aqui.
Bruce riu; tirou os sapatos e se deitou na cama. As revistinhas de Finnegan estavam largadas no chão. Ele recolheu (com cautela) aquela que quase o matara do coração durante a viagem de ônibus.
- Ei, você ainda trabalha para o esquisitão? – Finnegan perguntou de modo repentino.
Bruce baixou a revista. Finnegan e Wilcox haviam se encontrado uma única vez, ocasião em que o professor gargalhara por quinze minutos seguidos antes de admitir algum parentesco entre os dois. Tendo se convencido, prosseguiu com um comportamento ainda mais anormal: endereçou um questionário frívolo e gigantesco ao garoto. Finnegan, então com quinze anos, reportou-o quando voltou a ficar a sós com o irmão.
- Ele me perguntou se você prefere praia ou montanha. Molho inglês ou molho branco.
- Que diabos?
- Ele também quis saber se você come espaguete com a ajuda de uma faca ou de uma colher.
Embora Wilcox não tivesse voltado a vê-lo, sempre recordava Finnegan como um amigo querido. Chamava-o de proto-Bruce.
- Ainda trabalho, sim.
- O que você faz para ele?
- Mapas. E ele está trabalhando na teoria de viagem temporal.
Finnigan largou o console do vídeo-game. Pareceu interessado.
- Como é?
- Viagem temporal. Máquina do tempo.
- Sim, eu ouvi. Mas não de verdade, certo?
- Não de verdade?
- Não como uma máquina do tempo que... realmente, realmente volte no tempo, não? Mas como uma... teoria?
- É, como uma teoria. Livros e cálculos. E também há uma garota que conserta computadores.
A lembrança de Moira fez com que Bruce se esquecesse, por um momento, do professor. Colocou a revistinha aberta sobre o peito, desistindo de tentar levar adiante a leitura.
- Finn...
- O quê?
- Você conhece aquele amigo da mamãe? Edward Morris?
- Edward Morris?
Finnegan pressionava com tanta força os botões do controle que Bruce não deu uma expectativa de vida maior do que três meses para o aparelho inteiro.
- Tempo. Isso é Mario Kart?
Finnegan mordeu os lábios:
- É claro que é Mario Kart. Só falta um circuito.
- Eu tive um Mario Kart. Céus, que péssimo jogador eu era. Enfim, Edward Morris.
- É um senhor, não é? – Finnegan perguntou. – Um floricultor.
- Jardineiro.
- É, eu conheço.
- Já viu a neta dele por aqui?
- Não. Não sabia que ele tinha uma. Por quê?
- Por nada – Bruce suspirou e fechou os olhos.
Cochilou ao som de musiquinhas temáticas e dos gemidos raivosos de Finnegan. Sonhou com um homenzinho bigodudo e de macacão vermelho que lhe explicava a questão por trás das experiências de Wilcox.
- Como pode ver, Prof. Glendoning, uma vez que vocês encontraram a fenda, a partir de agora é alto-e-avante e alegria e alegria de tão simples.
- Pensei que fosse a parte complicada.
Bruce queria perguntar por que estava usando um chapéu com orelhas de burro, mas não pareceu apropriado interromper o homenzinho.
- É claro que não. Não para uma mente genial como a do seu chefe. O senhor vê, a carga exata de propulsão energética pode lançar o condutível – a máquina do tempo, neste caso o potinho de iogurte no qual todos vocês vão viajar – através de finas camadas temporais que separam os eventos da nossa época dos do Woodstock.
- Já ouvi isso antes. Por que você fala como o meu professor de Estudos Sociais?
- Não faço a menor idéia. Quer provar um pouco de torta?
- Então eu posso estar em Londres e de repente ser arremessado para Hong Kong?
O homenzinho franziu o cenho, decepcionado.
- A posição geográfica ainda é uma questão discutível.
- Então quer dizer que posso ser arremessado ao mar aberto?
- Sim, mas eu não aconselharia. Muitas criaturas moram por lá. E o Kraken, que terror seria.
- Bruce? – alguém o sacudiu por um ombro.
Bruce despertou, assustado, dando de cara com Rob. O quarto estava escuro, o homenzinho de macacão vermelho havia desaparecido. A televisão e o vídeo-game estavam desligados. Não havia sinal de Finnegan.
- Oi – Bruce se levantou, esfregando os olhos. Olhou em volta. – Oi, Rob. Feliz aniversário. Que horas são?
- Quase uma da manhã.
Bruce deu uma risada amargurada. Calçou os sapatos.
- Desculpe. Eu acho que desmaiei.
- Tudo bem. Alguns convidados já se retiraram, mas sobrou bastante gente.
- Vincent Price ainda está por aí?
- Vincent Price?
Rob O’Hara era um homem baixo (não de verdade; mas era a impressão que passava estando perto de Bruce), moreno e de traços irlandeses, tão obcecado pela época Georgiana que não poucas vezes Bruce ponderou se o padrasto, ao acaso, não havia nascido no século errado. Parecia-se muito com Finnegan, cuja única coisa herdada de Honoria eram suas mãos de pianista.
Os dois desceram até a sala, Bruce sonolento e tropeçando. Finnegan estava arrumando os jogos que haviam sido vandalizados pelas crianças. Não parecia no melhor dos humores.
- Bruce! – Honoria caminhou na direção do filho mais velho. Tinha aquela expressão da época em que o repreendia por comer de boca aberta ou por não cumprimentar as visitas. – O que houve com você?
- Por onde começar?
- Tantas pessoas querendo vê-lo! Edward Morris queria se despedir!
- As pessoas vão encontrar um modo de perdoar a minha ausência. E se a Moira que trabalha comigo é mesmo a Moira dele, vou acabar encontrando-o, por aí. Soluções simples para problemas catastróficos.
Honoria ergueu uma sobrancelha cheia de incredulidade.
- Se diz.
Afastou-se para cuidar dos convidados restantes. Vendo-se livre, Bruce acomodou-se em um dos sofás, assistindo o trabalho minucioso de Finnegan.
- Mais conhaque, senhor? – um braço lânguido e metido em uma manga negra esticou-se para exibir a bandeja.
Bruce arregalou os olhos.
Tuesday, July 18, 2006
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