Monday, May 14, 2007

Jessica

Bruce tocou a campainha apenas uma vez. Teve ímpetos de sair correndo, mas a porta foi, então, durante o tempo que gastou lutando contra os próprios princípios, aberta por uma moça ruiva. Ela sorriu como uma criança teria sorrido caso encontrasse uma cesta cheia de filhotinhos à sua mercê, no meio do corredor.

- Ah, aí está você – ela disse, e o beijou.

Sou casado, Bruce repetiu para si mesmo, sentindo lábios desconhecidos e um perfume agradável, picante; o cheiro que ruivas deveriam ter, na sua imaginação e na do bom e velho Charlie Brown.

- O que fez com as suas roupas? – a nova Sra. Glendoning perguntou.

- Nada – Bruce respondeu, abatido.

- Ligaram para casa dizendo que você não apareceu no colégio – a mulher abriu um pouco mais a porta, com certa dificuldade, e somente naquele instante Bruce percebeu que ela se movia com a ajuda de muletas. Uma das pernas estava enfaixada.

Bruce entrou, hesitante. Parecia estar em uma versão mais sombria e apertada do apartamento em que vivia no seu extinto presente.

Não havia sinais de Rose. Nenhum babado esquecido, nenhuma tonalidade deslocada sobrepondo-se ao e ofendendo o estilo quase rústico de Bruce. A presença da nova ocupante era percebida em detalhes menores: alguns livros de anatomia repousando na mesa de centro (Bruce tinha certeza de que não lhe pertenciam), um xale bordô sobre um dos braços do sofá, chinelos de pano pintados de azul-claro. Uma embalagem de biscoitos, vazia.

Ele respirou fundo e seguiu a esposa até a cozinha.

- Quer alguma coisa? Eu estava preparando um pouco de chá – a cascata de cabelos vermelhos falou, mas Bruce não conseguiu responder.

- Jessica – ele disse, em voz alta, testando.

Jessica olhou para ele.

- Sim?

Bruce piscou, balançando a cabeça.

- Nada.

Jessica deixou a chaleira apitando. Parecia preocupada.

-Você está bem? Parece fora do ar.

Bruce abriu a boca para tentar se explicar. O que saiu foi:

- Eu realmente gostaria de tomar um banho.

Os dois se encararam. Jessica sorriu de leve.

- Bem. Você sabe como chegar até o banheiro.

O banheiro era azul e iluminado. Havia uma banheira pequena e um chuveiro menor ainda. Bruce girou a torneira e deixou que a água fria corresse pelo box. Vestido, baixou a tampa do vaso sanitário e sentou-se sobre ela.

Permaneceu assim durante cinco minutos, pensando em como remediar a situação. Sentiu uma ponta de remorso por Jessica. Ela era, afinal, tão vítima daquele acidente quanto ele.

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