Saturday, November 04, 2006

Tia Phyllis

Wilcox colocou a xícara vazia sobre a mesa. Olhou para a parede oposta durante alguns minutos, sem nada dizer; o que, na opinião de Bruce, levando-se em conta do tipo de idéia que o professor costumava gerar durante seus silêncios reflexivos, era perturbador.

- É incrível – Wilcox murmurou. Piscou em seguida, emergindo do transe. – Realmente incrível. Mas meu empreendimento tem, afinal, futuro, como acaba de provar o meu outro eu. Salvar-me da morte! Quem diria! Ah, o trocadilho não foi intencional.

- Obrigada pela consideração – Moira disse, olhando para as mãos sujas.

- Não sejam tolos. É claro que sou grato aos dois. Mas ainda mais grato à minha própria genialidade. Eu sabia – Wilcox tomou a xícara e tornou a levá-la aos lábios, esquecendo-se de que já não continha nada. – Genial.

- Incrível, Wilcox. Mesmo – Bruce esfregou o rosto. – Aliás, já que genial é a palavra em vigor, tenho uma idéia: Por que você não entra na máquina mais uma vez e faz uma viagem até a era Jurássica, para compartilhar seu conhecimento com as, você sabe, formas de vida mais precárias, que estão, tenho certeza, ansiosas por receber todo o seu conhecimento. Enquanto isso, eu vou tomar um banho. E espero encontrar uma cama macia e limpa onde possa relaxar e me esquecer do que você nos fez passar. De novo.

Wilcox franziu o cenho.

- Está reclamando do quê? No fim, continuei casado com a velha bruxa.

- Se essa máquina do tempo deve ser usada – e eu vou frisar o se, caso ninguém tenha entendido –, melhor que não seja em benefício próprio – Bruce lançou um olhar de esguelha a Moira. Ela não disse nada.

**

O apartamento estava com um estranho cheiro de mofo, depois de dois dias trancado. Bruce acendeu a luz da sala. Rose havia deixado alguns recados na secretária eletrônica. Ele não se deu ao trabalho de respondê-los. Precisava, antes disso, formular A Melhor Desculpa Do Mundo.

Logo depois de sair do chuveiro, os cabelos pingando, sentou-se no sofá. Honoria havia mandado mais uma caixa com bugigangas, daquela vez antigos vídeos caseiros. Uma das fitas dizia: BRUCE ANIVERSÁRIO 18 ANOS. Ele sorriu, não sem ironia. Encontrou, ainda, gravações de algumas obras de edifícios em Londres (fitas de Rob, deixadas ali por engano) e a primeira visita de Finnegan a uma praia.

Optou pela fita do aniversário, corando em antecipação ao constrangimento que sentiria. Não mudara muito desde aquela época, pensou – o Bruce mais jovem era mais pálido e mais ingênuo. Não tinha perspectivas tão elevadas, mas talvez fosse mais crédulo com a possibilidade de um destino honroso. Máquinas do tempo, porém, não figuravam no contexto.

No vídeo, uma senhora se aproximava e lhe tomava o braço, sorrindo para a câmera. Bruce imitou a expressão confusa de seu eu de dezoito anos, incapaz, mais de meia década depois, de reconhecer a mulher que o abordara. Quando Finnegan apareceu, pequeno, chorando porque não queria ficar com as roupas de festa, o telefone tocou.

Bruce parou o filme.

- Alô? – ele atendeu. No mesmo instante segurou o bocal, fazendo uma careta. Se fosse Rose, estaria perdido.

- Como estão as coisas? – reconheceu a voz de Moira. Olhou para a tela congelada, vendo-se obrigado a posar para uma foto em grupo com alguns parentes de Rob, e aproximou o rosto do telefone.

- É você.

- Costumo ser. Repito, como estão as coisas?

- Estranhas – Bruce respondeu. – Como está Wilcox?

- Estava bem, quando eu o deixei. Prometeu que não voltaria a usar a máquina por hoje, mas você sabe que... bem, é impossível contar com a palavra dele.

- Não me diga – Bruce se ajoelhou na frente da televisão e desligou o vídeo. - Acha que deu certo? Acha que resolvemos o problema?

- Bem, Wilcox parece inteiro. Bruce, interrompo alguma coisa?

- Não. Eu estava olhando presentinhos que a minha mãe mandou.

- Biscoitos?

- Vídeos. De quando eu era adolescente.

- Ah – Moira riu, do outro lado da linha. – Estranho pensar que você já tenha sido um.

- Mesmo?

Bruce recolheu a caixa e a depositou em uma das estantes. Olhou para os pés descalços e úmidos.

- Moira? Ainda está aí?

- Sim.

- Por que me ligou? – viu-se perguntando, antes mesmo de pensar a respeito.

- Como?

- Eu consigo pensar em certos motivos pelos quais você me ligaria, mas nenhum deles é animador. Sou forçado a perguntar: o que houve? O que aconteceu agora?

Moira ficou em silêncio.

- Não houve nada. Por que está sempre esperando pelo fim do mundo?

Bruce deu uma risada nervosa.

- E eu não tenho motivos para me preocupar?

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